quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Cheguei!!!

Antes de sair da Etiópia, tinha reservado um hotel em Khartoum. Cheguei de noite ao hotel. Dos piores que apanhei. Sujo, lençóis usados, quente, antipático, caro. Depois de 18 horas de viagem, 4 camionetas e 3 táxis, aquele hotel deu cabo de mim. Depois de um chuveiro, já quase à meia-noite, saí a pé pelo centro de Khartoum para tentar comer qualquer coisa. Apesar de ser Ramadão, já estava quase tudo fechado, e as ruas escuras. Comi umas espetadas num grelhador de rua e voltei para o hotel. Caí redondo na cama. Manhã seguinte primeira coisa que fiz foi mudar de hotel. A próxima etapa da viagem, a passagem para o Egipto, envolvia apanhar um barco para atravessar a fronteira. No meio de um dos mais áridos desertos do mundo, é preciso fazer um dia de viagem de barco para atravessar a fronteira. Já agora uma caravana de camelos a nadar, não? Coisas deste continente…
O barco apanha-se no Norte do Sudão, a 900 kms de Khartoum Tinha 5 dias para chegar lá. Ou fazia a viagem por etapas, à boleia em camiões, ficando em pequenas aldeias no meio do deserto, ou apanhava uma camioneta directa, que fazia a viagem num dia. O apelo do deserto e da aventura de visitar pirâmides perdidas no meio do Sahara, não foi suficiente para derrotar o meu cansaço acumulado de 2 meses de viagem, e o pensamento de apanhar 50 graus num camião sem ar-condicionado.

Assim, passei 4 dias em Khartoum. Visitei o museu local, o mercado de peixe, e mais nada, porque acho que não há mais nada para visitar. A cidade é grande, mas recente, sem bairros ou monumentos antigos. As pessoas são muito simpáticas e prestáveis. É o povo mais hospitaleiro que encontrei, sem dúvida. Vários faziam questão de mostrar o país, e de dizer que os Sudaneses não eram como se pensava fora do país. Fiquei com a sensação que é um país com um governo que está totalmente desligado da população. Durante o dia não se encontrava nenhum sítio para comer. Tomava o pequeno-almoço, passava o dia a comer umas coisitas que comprava no supermercado, e depois à noite desforrávamo-nos. À hora do pôr-do-sol, a cidade pára toda, e por todo o lado, todos os jardins e casas, se vêm pessoas a tomar a primeira refeição, e a fazer a primeira reza. No Sudão levam o Ramadão muito a sério. Também não há álcool, nem nos hotéis internacionais.
Um momento curioso foi quando, num passeio exploratório pela cidade, passei por uma igreja. No meio de Khartoum, uma catedral católica. Entrei para ver, e 5 minutos depois, começou a missa. Era domingo, não tinha reparado. Assisti assim a uma missa na capital de um dos países mais islâmicos do mundo, missa dada por um padre chinês, em inglês.
No dia marcado, lá fui às 4 da manhã apanhar a camioneta para Wadi-Halfa, a fronteira com o Egipto. Atravessámos o deserto, às vezes junto ao Nilo, às vezes pelo meio das dunas. Parámos duas vezes durante a viagem. A camioneta tinha ar-condicionado, mas cá fora, estava um calor inimaginável. Não sei se seriam 50 ou 60 graus. O vento quente parecia que queimava a pele. Impossível estar mais de 5 minutos ao sol. Estar dentro de um forno deve ser mais ou menos assim…
Ao fim da tarde chegámos à vila de Wadi-Halfa, perdida no meio do deserto. O barco vindo do Egipto tinha chegado de manhã, por isso os “hotéis” estavam todos cheios. Num deles, após muita insistência, o melhor que consegui foi uma cama num corredor. Um luxo! Descobri que tinha feito um bom negócio: quando acordei no dia seguinte, havia mais camas no corredor. As pessoas não aguentaram o calor dos quartos, que não tinham ar-condicionado, e vieram para o corredor onde a aragem ajudava a refrescar. Eu, dormi como um bebé.
O barco percorre o lago Aswan, uma albufeira no Nilo criada pela barragem com o mesmo nome. A única estrada que liga o Egipto ao Sudão está cortada ou não existe (depende das versões), por isso este velho barco é a única ligação entre o Sul e o Norte de África. A outra ligação é junto ao Atlântico, na Mauritânia. Isto transforma o barco num ponto de encontro entre viajantes que querem atravessar o continente, uns a ir para Norte, outros a ir para Sul. O jantar desse dia foi feito na praça central, na companhia de duas italianas a fazer a viagem num carro cor de rosa (patrocinadas pela Gazzetta  dello Sport), 3 casais de 60 e 70 anos, cada um com o seu jipe e tendas, a caminho de Cape Town, o jardineiro do Paul McCartney(!) a viajar com a filha, e muitos muitos sudaneses e egípcios.

No dia seguinte, lá fui apanhar o barco. Muita burocracia, muito calor, mas lá cheguei ao barco. Conheci um russo e um canadiano, e decidimos partilhar uma cabine no barco. Ao fim da tarde o barco partiu, para uma viagem durante a noite, sem paragens nem incidentes. Uma noite a contar historias e a trocar experiencias sobre as nossas travessias do continente africano.
Pela manhã chegámos ao Egipto. O barco deixou toda a gente num pequeno porto no meio do deserto e, de candongueiro, fomos até à cidade de Aswan. Por causa do Ramadão, a cidade estava fantasma, abandonada. Arranjámos um hotelzinho, e demos uma volta pela cidade. A sensação foi de ter chegado à civilização! Senti que tinha atravessado África, que já estava do outro lado. Depois de almoçarmos (no Egipto são mais flexíveis em relação ao Ramadão), fomos os três dar uma volta pelo Nilo, numa faluca, um pequeno barco à vela, tradicional no Egipto. Comprámos umas cervejas(finalmente!!!) para o passeio, e relaxámos pelo rio abaixo, ao sabor do vento.
Dia seguinte despedi-me dos meus companheiros de travessia, e apanhei a camioneta para o Cairo, onde cheguei no dia 13 de Agosto! 72 dias de viagem para atravessar o continente mais subdesenvolvido e disfuncional do mundo. Muito bom tempo, sabendo que o canadiano demorou 14 meses!
A Sara veio ter comigo ao Egipto, para juntos explorarmos o país, durante 10 dias.
No Cairo, descobrimos uma cidade com bairros árabes mediáveis, zonas cristãs com igrejas coladas umas às outras, um centro feito à imagem de Paris, bairros modernos e luxuosos. Quase quase, uma verdadeira capital europeia. Visitámos igrejas e mesquitas onde nos ofereceram comida ao terminar o jejum diário. Cruzámos a praça Tahrir, que agora só tem policias, nada de manifestantes. Visitámos as grandes pirâmides de Gizé, com a esfinge a fazer a guarda. As maiores pirâmides do mundo, a única Maravilha sobrevivente das 7 originais. Uma maravilha com 4.500 anos. Este país é antigo, muito antigo…
Invariavelmente, a resposta à pergunta “De onde são?” era seguida de um “Manuel José!!! Very good, Manuel José!!!”.
Fomos de comboio para Aswan, onde visitámos o magnifico templo de Abu-Simbel. De faluca descemos o Nilo, com direito a uma noite no barco, ao relento. Passámos dois dias em Luxor, onde descobrimos a grandiosidade dos templos de Karnak e Luxor, e os túmulos do Vale dos Reis, onde dezenas de faraós foram enterrados. As múmias já as tínhamos visto no museu do cairo.
Voltamos ao Cairo de comboio. Passámos o último dia a explorar mais alguns recantos da cidade, reencontrámos o Vitali, e os três, no meio da loucura de uma noite de Ramadão (caos de transito à meia noite por toda a cidade) apanhámos um táxi para o Aeroporto Internacional do Cairo. Às 4 da manhã do dia 25 de Agosto, o avião separou-se do solo africano, e parti finalmente para o meu último trajecto até casa.

Vi muitas coisas, conheci muita gente, aprendi muito na viagem. Deixo duas coisas que aprendi:
Primeiro, não se devem julgar os países só pelo que se vê nas notícias: Zimbabwe, Ruanda, Sudão, são países com uma reputação de inferno, mas foram os países mais desenvolvidos e seguros que visitei.
Segundo, viajar hoje em dia é fácil, muito fácil. Em qualquer sítio do mundo, mesmo no continente mais remoto e atrasado, quem quiser ir conhecer, só tem que ir até lá. Há sempre um táxi, autocarro, barco ou comboio. E pessoas dispostas a dar a indicação, a ajuda, o sorriso. É fácil, muito fácil. Mesmo em África.


A confluencia do Nilo Branco e Nilo Azul

Percas do Nilo

Escamar as percas

Khartoum

Catedral Católica de Khartoum

Lavar os pés e as mãos antes de comer

Acabou o jejum!

Em Khartoum, não há transito à hora do pequeno-almoço

Rezar depois de comer

Deserto a caminho do norte

Estrada para norte

Autocarro impec!

O Nilo a pintar o deserto de verde

50º lá fora

Aldeia no fim do caminho

Uns para norte, outros para sul

A minha cama e as outras que apareceram

O bilhete para atravessar para o Egipto


Albufeira de Aswan

Pôr-do-sol no lago

De manhã, já estamos no Egipto


A variedade do Egipto

A cor do Egipto

Falucas no Nilo




Praça Tahrir, carro mal estacionado

Na praça Tahrir, a vida continua

Cairo moderno

Cairo moderno

Cairo medieval



Mesquitas: para orar e dormir

O pátio da mesquita


Finalmente, o Nilo termina


Comentários para quê...

Tuga nas pirmaides

É alta, não é?



Paisagem do comboio, Nilo acima

Abu-Simbel, ou a loucura de um faraó

Mais faluca


O deserto em Aswan

Almoço na faluca, com companhia de búfalos

O nosso capitão


Amanhecer na faluca

Artistico

Luxor





Cairo: tudo a olhar para o céu!




Igreja cristã copta no Cairo

Canal do Nilo no Cairo

Egipcios: e agora que fazer?

Horto do Nilo!

Ramadão à noite

 
Eu e os amigos babuínos dizemos: ADEUS!!!