sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A magia da Etiopia

O avião aterrou na pista de Lalibela ainda de manhã. À volta, montanhas verdes, muito verdes, e céu cinzento escuro, muito escuro, prestes a rebentar. Não há árvores, só há campos verdes, verde forte e escuro, com algumas casas espalhadas pela paisagem. Vamos de carrinha para a cidade, um percurso de 20 kms. Ao longo de toda a estrada, pessoas, muitas pessoas a caminhar em direcção à cidade. Mantas às costas para aquecer, e cajados para ajudar na longa caminhada. É sábado, dia de mercado. Os camponeses vêm das montanhas em redor, para trocar e vender o que produzem. Passamos por vacas com grandes cornos retorcidos, mulas carregadas de mercadoria, e rebanhos de cabras.
Chegamos a uma cidade que afinal é uma grande aldeia. Isolada, numa face da montanha, tem casas espalhadas pela encosta, meias cobertas de nuvens que constantemente ameaçam chuva. Instalei-me numa pensão e tentei recuperar parte do sono perdido com a viagem.
Depois de almoço fui ver a feira. Os vendedores já estavam a sair, a caminho das suas casas nas montanhas. Nas montanhas à volta vejo pequenos caminhos com filas de pessoas e de mulas. Em todas as encostas à nossa volta, pessoas a dispersarem pela paisagem,  a desaparecerem para lá das nuvens.
O mercado ainda tem muitos vendedores. Cereais de todo o tipo, muitas especiarias diferentes, bancadas carregadas de mel, frutas e legumes. Há bancadas com roupa, roupa de algodão, com bordados, tudo produzido localmente. São roupas de qualidade, utilizadas em ocasiões de festa, normalmente para a igreja.
Lalibela é um dos principais centros religiosos da Etiopia, um reino que se converteu ao cristinanismo logo no ano 400 DC (ainda havia império romano!), com tradições igualmente antigas. Não se encontra nada parecido em África. Sempre cristão, nunca se converteu ao Islão.
A pequena cidade foi feita pelo rei que lhe deu o nome, com a intenção de criar uma segunda Jerusalem, que na altura era muito perigosa para os peregrinos, por causa da ocupação muçulmana. Assim, o rei mandou construir  (a lenda diz que foi ele próprio que as construiu, com a ajuda de anjos) várias igrejas directamente da pedra. As igrejas foram escavadas na rocha, mas não como o famoso monumento de Petra, na Jordania. Estas foram escavadas de cima para baixo, do tecto para a base, cada igreja uma peça única de pedra. O efeito é único, inconfundivel. Espalhadas por toda a cidade, pequenas igrejas aparecem do chão, como se se tivesse aberto um buraco e uma igreja estivesse a subir lentamente à superficie.
No dia seguinte, com um finlandes e a namorada americana, contratamos um guia e fomos visitar as igrejas de Lalibela, Patrimonio da Humanidade. Mas como era Domingo, acordei cedo e, antes do passeio, fui ver a missa. Manhã de nevoeiro, a cidade ainda calma, e por todas as ruas, vultos brancos, pessoas com uma longa tunica branca, a caminhar silenciosamente em direcção às igrejas. Lá, como o interior é pequeno, o serviço é feito no exterior das igrejas. Centenas de pessoas espalham-se pelas colinas circundantes às igrejas, todos de branco, muitos a ler a biblia, outros a ouvir as palavras do padre, que fala incessantemente durante toda a missa. Quando a missa termina, muitas pessoas voltam para os caminhos das montanhas, outras ficam pela cidade, já mais animada.
Às 10 começamos a nossa visita. O acesso às igrejas faz-se por caminhos e tuneis enterrados na rocha, numa espécie de labirinto que lembram as ruas de bairros mouros, onde nos cruzamos com senhoras cobertas por mantos brancos, ou velhos de barba branca, com cruzes bizantinas e crucifixos nas mãos, padres que abençoam a pedido, pessoas que se ajoelham quando se cruzam com uma das igrejas petrificadas. O interior das igrejas é escuro, tapetes no chão (entra-se descalço), e uma calma profunda.
Fora das igrejas, as paredes estão todas escavadas de forma tosca, como se fossem naturais. Na igreja principal, vemos um padre a usar a cruz em algumas pessoas. O nosso guia diz que está a fazer exorcismos. O "doente" contorce-se, mas não há gritos nem demónos a voar. Esta é uma verdadeira viagem no tempo, para um mundo surreal, como se estivessemos noutra realidade, longe do mundo.
À noite, uma etíope que conhecemos nesse dia, levou-nos a outro bar de dança tradicional, este mais turistico. Os dançarinos executavam várias danças, numa espécie de luta entre eles. Uma música frenética, com ritmos rápidos e sons estridentes. A conclusão de um dia em cheio, de visita à alma da Etiópia.
Fiquei mais um dia em Lalibela, que aproveitei para voltar a passear pelas igrejas e labirintos, e no dia seguinte apanhei o avião de regresso a Addis Abeba.
Mudei de hotel, para um backpackers com o amigo finlandes. Um daqueles sitios onde onde facilmente se conhecem todos os hospedes, todos a viajar por África. Em dois dias tratei dos vistos para o Egipto e Sudão. Tive mais uma noite de folia com os novos amigos, provei um petisco local que consistia em comer carne de vaca totalmente crua, cortada aos pedaços, e comprei comida para as próximas etapas.
Às 5 da manhã, apanhei a camioneta para a póxima etapa da viagem, a caminho do SUDÃO!



















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