As horas em Africa sao diferentes. Nao e' nenhuma metafora. Nesta parte do mundo, existe o horario Swahili. As nossas 6 da manha sao as 0 horas, o meio-dia as 6, e as 6 as 12. E comeca outra vez do 0, das 6 da tarde ate' 'as 6 da manha. Parece-me mais logico. O dia comeca quando o sol nasce. Nunca comecei nenhum dia 'a meia noite! Deparei-me com isto quando, na embaixada do Burundi, me disseram que fechavam 'as 9 (eram 11 da manha). Pareceu-me bom demais. Perguntei outra vez. "Sim sim, fechamos 'as 9, quer dizer, 'as 15!"
O MV Liemba chegou a Kigoma de noite, por isso passamos a noite no barco, e de manha desembarcamos. A cidade e' tropical, palmeiras junto ao lago, calor, ambiente descontraido, sem pressas nem muita confusao. Junto com os alemaes, encontrei um hotelzinho simpatico. A etapa seguinte era ir de Kigoma (Tanzania), ate' Kigali (Rwanda). Pelo meio, um dos paises mais pobres e perigosos de Africa, o Burundi. As suecas decidiram que iam tentar contornar o Burundi pela Tanzania, eu e 2 alemaes decidimos atravessar o Burundi. Fomos ao consulado do burundi para o visto. Disseram que necessitavamos de fotos e que fechavam 'as 9. Fomos tirar as fotos, voltamos, e em 10 minutos saimos com o visto. Como ainda havia tempo, juntei-me ao casal alemao e fomos visitar Ujiji, local do famoso encontro do Dr.Livingstone com M.Stanley, em que o ultimo pronunciou a famosa frase: "Dr. Livingstone, I presume". Como resumo, o Dr. Livingstone foi um missionario transformado em explorador, que, no final do sec.19 percorreu o interior de Africa, ainda inexplorada. Percorreu os caminhos dos traficantes de escravos, para denunciar e acabar com a escravatura em Africa. Andou sozinho (sem companhia europeia), durante mais de 20 anos, sem descansar, ate morrer em Africa. Um homem movido por uma crenca religiosa de missao, de libertar todos os escravos do mundo. Uns anos antes, como nao recebiam noticias do explorador, enviaram o bom do Stanley para o encontrar. Depois de 3 meses na selva 'a procura de Livingstone, quando o viu, com a sua postura britanica, o mais euforico que conseguiu ser foi tirar o chapeu e "Dr. Livingstone, I presume".
Ujiji e' uma pequena aldeia perto do lago. Dai' iniciava o caminho que os escravos negros percorriam ate chegar a Zanzibar, na costa, a mais de 1.000 kms. O inicio do caminho ainda esta' bem marcado, pois os vendedores muculmanos plantaram, ao longo do caminho, arvores de mangas, que hoje em dia formam um tunel verde. E durante meia hora percorremos esse caminho sombrio.
De regresso a Kigoma jantamos um franguinho na brasa, no meio da rua, e despedimo-nos. O grupo do barco dividia-se no dia seguinte, cada um para o seu canto de Africa.
6 da manha, eu, o Pascal e o Thobias apanhamos o autocarro ate 'a fronteira. Subimos subimos a montanha, num clima tropical. As bananeiras comecaram a aparecer por todos os lados. Com a altitude, o tempo arrefeceu. O posto fronteirico da tanzania vazio, o oficial muito simpatico, carimbou o passaporte e indicou-nos o taxi. O posto fronteirico do Burundi ficava a 10 kms de distancia! Metemo-nos os 3 num Toyota Corolla, com as malas em cima de nos, e arrancamos montanha fora. Passados 100 mts, o asfalto mudou para terra batida, da vermelha. O condutor nao abrandou. Comeca a chover, piso molhado, e o homem a acelerar. Iamos com o Collin McRae do Burundi! Claramente o carro nao era dele, pois nao o poupava aos buracos. 20 minutos e chegamos ao posto do Burundi. Com o visto, entramos sem problemas. Arrancamos para mais 15 minutos de rali. O famoso rali das montnhas do Burundi.
Finalmente, chegamos a uma aldeia no meio da montanha, ainda com tudo em terra batida, muita gente nas ruas. Vamos 'a paragem dos autocarros e, a entrar num deles, estavam as nossas amigas suecas. Pelos vistos no dia anterior mudaram de ideias, e foram directas ao Burundi. Mas como ja era tarde passaram a noite na aldeia, no meio da montanha. Entramos no mini-bus (a tipica Hiace atafulhada de gente e galinhas) e, quando iamos a arrancar, vem um senhor com ar de importante a dizer que tinhamos que pagar o visto. Que nao, que pagamos em Kigoma. Que nao, que tem que pagar aqui. O mini-bus deu meia volta e fomos todos ate 'a estacao da policia! Muita confusao (poucos falam ingles naquela montanha), mas, com a ajuda de um passageiro, em 15 minutos esclarecemos a situacao. Pedimos desculpa aos restantes passageiros (que nunca resmungaram nem se queixaram), e arrancamos para Bujumbura. Atravessamos mais montanhas, muito verdes, muito tropicais. As casas todas simples, cabanas. Babaneiras por todo o lado. Muitos projectos de recuperacao financiados pela comunidade internacional. A estrada desceu outra vez para o lago Tanganika, e foi sempre a acompanhar a agua, num ambiente tropical, com agua azul clara, o ceu carregado, com ar de chuva tropical. Ameacou e choveu. Paramos algumas vezes porque nao se conseguia ver a estrada. A chuva abrandou e nos aceleramos ate Bujumbura. Chegamos ainda de manha. A cidade com ar de bairro mau. Toda ela. O amigo que nos ajudou com a policia ja tinha ajudado as suecas no dia anterior. Parecia de confianca. Aconselhou uma pensao perto de casa dele. Era mais barato que no centro. Normalmente nao aceitaria, mas eramos 5, e os meus companheiros de percurso muito poupadinhos. OK. Metemo-nos num taxi e cruzamos a cidade. Do outro lado, um bairro ainda pior. Entramos num musseque (favela, bairro de lata, etc), e numa rua melhorzinha, la estava o hotel. Limpo, ar seguro, respeitavel. 3 euros a noite. Impecavel!
Ainda era meio dia, fomos dar uma volta pela cidade com o nosso anfitreao. Mas primeiro fez questao de nos mostrar a casa dele (dos pais), no musseque. La fomos os 5 branquinhos, lama fora. Ninguem nos chateou, as criancas diziam adeus e e riam muito quando respondiamos. Lixo por todo o lado, cheiro a condizer. Muitas barracas. 2 anos em Angola, e tenho que vir ao Burundi para entrar num musseque!
Na visita 'a cidade nao encontramos nada de especial interesse ou original. Um mercado central grande, e pouco mais. De notar uns carregadores que transportavam sacos de farinha 'as costas durante 50 mts, a pesarem 120 kgs!
Dia seguinte, o nosso amigo Djutos levou-nos atraves da favela, mochilas 'as costas, ate 'a estacao de camionetas. Dai', transporte directo ate' Kigali.
Das margens do lago, subimos outra vez a montanha. Ainda mais verde! Subimos mais e mais. No topo, a fronteira com o Rwanda.
- Visto?
- E' preciso?!?! Disseram-me que nao!
- E' preciso! Devia ter ido 'a internet pedir o visto antes de vir!
- Nao sabia que tinha que pedir na internet...
- E muito facil!!!! E agora, se nao o deixar entrar?...
- ....
- OK, vou dar-lhe o visto. Mas para a proxima nao se esqueca!!!
30 dolares. Nao me cobrou nem mais um centimo do que o indicado na tabela. Em 15 minutos estava despachado. Isto e' o Rwanda. 'A entrada, um cartaz do governo:"Investimento sim! Corrupcao nao!
A paisagem transformou-se. As cabanas transformaram-se em casas como deve ser (pareciam as casas dos nossos emigrantes). A estrada bem asfaltada e pintada. Os campos, todos divididos em pequenas parcelas, todos cultivados! Milho, bananas, eucaliptos. Fabricas pequenas e medias, espalhadas pela paisagem. Meus amigos, o Rwanda parece o Minho!!!
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