Viajar no MV Liemba e' entrar dentro de Africa. E' ver e sentir como funciona o continente. E' ser espectador do dia a dia das populacoes isoladas de aldeias no lago Tanganika. E entretanto, percorrer 500 kms em 3 dias.
Construido pelos alemaes ha quase 100 anos (1913), para o transporte de tropas no lago. Fabricado na Alemanha, desmontado, e montado outra vez no seu lago. Afundado pelos seus criadores, e recuperado pelos Ingleses.
Agora, percorre o lago de quinze em quinze dias, iniciando a percurso em Kigoma, Tanzania, indo ate' Mpulungo, Zambia, e regressando a Kigoma. Durante o percurso faz umas 15 paragens. Entre viagens, aproveita para levar refugiados de volta ao Congo.
Transporta passageiros (1a, 2a e 3a classe), mas principalmente transporta mercadorias. As estradas 'a volta do lago sao ma's ou inexistentes, e o barco e' a melhor (talvez unica) forma de as varias aldeias fazerem chegar os seus produtos excedentes aos mercados. A maioria peixe, peixe seco, que e' a forma mais comum usada em Africa para conservar o peixe. Ha 4 formas de conservar o peixe: congelar, salgar, fumar, secar. Sem electricidade nao ha congelamento, sem sal nao se salga. Fumam o peixe, mas essencialmente secam o peixe (coisas que se aprendem num barco).
Transporta tambem arroz e outros cereais. E o barco transporta tambem cimento, pois ha uma fabrica do mesmo numa das paragens intermedias. Para Kigoma vao sacos de cimento, para Mpulungo, sacos de clinquer.
O Lewis e' de Mpulungo. Faz a vida a comprar e vender peixe. Tem uma t-shirt da seleccao espanhola e uma fotografia do Cristiano Ronaldo no telemovel. O clube favorito e' o Real Madrid. Apanhou o barco em Mpulungo com um amigo do Barcelona, e vao comprar peixe a Bilenge. Daqui a 15 dias apanham o barco, quando estiver a descer outra vez para Mpulungo. Levam 1.500.000 shillings no bolso (1.000$) que deve dar para comprar 4 ou 5 sacos de peixe. Peixe pequeno, miudinho, mais pequeno que o meu mindinho. A unidade e' o balde. Um saco leva 9 baldes.
O Lewis e o amigo esperam vender a mercadoria por 5.000.000 de kwachas. Tem que pagar o transporte e taxas alfandegarias. Pelas contas deles, poe e tira, multiplica e subtrai, fica com um lucro de 4%. 40 $ para 15 dias de trabalho?! Parece-me queixume de negociante. So' deve ter 20 anos, mas muita experiencia no negocio.
E' de pequenos comerciantes como o Lewis, que as aldeias dependem para vender os seus produtos e receber outros. E a estrada deles e' o MV Liemba.
Quando atracou em Mpulungo trazia o porao cheio, mas saiu totalmente vazio. Carregou cimento na primeira paragem, e depois comecou a encher de cestos de peixe seco e sacos de arroz. Primeiro encheu o porao, depois comecou a encher o conves.
A 3a classe esta' ao nivel do conves. As pessoas espalham-se 'a volta dos cestos. Os cestos vao-se amontoando e subindo, as pessoas com eles. Ha muitos homens, ha muitas mulheres. Quase todas com um bebe' 'as costas. O bebe' esta' quase sempre a mamar. Os bebes nunca choram, no barco.
Elas vestem sempre roupas tradicionais, grandes vestidos a cobrir o corpo todo, isto e' uma sociedade conservadora. Eles, calcas ou calcoes, e t-shirts. Se possivel de futebol. O barco esta carregado de estrelas: Beckam, Owen, Xavi, Ibrahimovic, Ronaldinho Gaucho. Os clubes sempre os mesmos: os 4 de Inglaterra, os 2 de Espanha, e o AC Milan. Sao os produtos da televisao. O Lewis pagou 5 euros pela seleccao de Espanha.
Excepto o inicio e o final (e a fabrica de cimento), todas as outras paragens sao em pequenas aldeias. Nao tem porto. Por isso, quando o L:iemba se aproxima, faz soar a sua forte sirene grave, que da' inicio a uma corrida de barcos da aldeia ate ao Liemba, que atraca ao largo. De madeira, alguns a remos, outros a motor, vem o mais mais rapido possivel, qual corrida olimpica. Alguns trazem a mercadoria do costume, outros so' passageiros. Quando estao a chegar perto, os pequenos barcos, quais piratas ao ataque, lancam as cordas para o conves do grande barco metalico. 2 ou 3 rapazes saltam e trepam o navio para amarrar as cordas onde melhor for possivel. Todos ajudam, ate' o cozinheiro. Para os pequenos barcos de passageiros, e' uma corrida frenetica, pois os primeiros a chegar carregam mais passageiros. Os ultimos levam restos. Os barcos atropelam-se uns aos outros, ha muitos gritos de barco para barco. Pessoas a saltar entre barcos, a entrar e a sair. Bebes a passarem de mao em mao. Bicicletas para cima e para baixo. Um conjunto completo de mobilia de quarto vai ate' Kigoma. Os grandes sacos sao carregados com o auxilio de uma pequena grua do Liemba.
No fim de todas as trocas, entradas e saidas, os pequenos barcos viram costas e voltam, agora num lago tranquilo, para a aldeia junto ao lago de onde arrancaram. O Lewis saiu nesta paragem. E juro que vi o Xavi e o Albidal a levar 4 senhoras no seu barco a remos.
E no meio deste mundo, quais actores no filme errado, vao os alemaes, as suecas, os dinamarqueses, e o portugues.
Um fisico desempregado, um carpinteiro entre trabalhos, o casal de professores em busca do rasto de Livingstone, os estudantes que tiraram um ano antes da faculdade para fazer voluntariado, e o portugues, a caminho de casa.
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